25 maio Fake foods, fake news
Se há a defesa da comida de verdade, é porque há também uma alimentação que não condiz com práticas saudáveis e sustentáveis. Segundo o Guia Alimentar para a População Brasileira, devemos ser críticos quanto a “informações, orientações e mensagens sobre alimentação veiculadas em propagandas comerciais”. Ainda de acordo com o Guia, mais de dois terços dos comerciais sobre alimentos veiculados na televisão se referem a produtos comercializados nas redes de fast food, salgadinhos “de pacote”, biscoitos, bolos, cereais matinais, balas e outras guloseimas, refrigerantes, sucos adoçados e refrescos em pó, todos esses classificados como ultraprocessados.
A maioria desses anúncios é dirigida diretamente a crianças e adolescentes. O estímulo ao consumo diário e em grande quantidade desses produtos é claro nos anúncios. Hoje, a obesidade atinge 2 bilhões de pessoas no mundo, em função da má alimentação, o que contribui significativamente para o avanço de doenças crônicas, como diabetes, cânceres e problemas cardíacos.
O marketing da indústria alimentícia tende a criar narrativas com informações ambíguas, descontextualizadas e incompletas. É o caso da utilização parcial de informações científicas para validar um produto. Atribui-se valor isolado para nutrientes em detrimento do alimento em si. É comum as embalagens estamparem alegações para a saúde, como “rico em fibras” e “fonte de vitamina C” seguidos de uma longa lista de aditivos químicos, excesso de sal, açúcar e gordura. Estes últimos três ingredientes são indispensáveis para fisgar nosso paladar, pois dá sabor e crocância a substâncias sintetizadas em laboratórios, que têm aspecto de comida. O sociólogo francês Claude Fischler chama isso de Objeto Comestível Não Identificado (OCI) ou fake food (para fazer uma comparação com as fake news).
O açúcar, por exemplo, pode vir disfarçado com vários codinomes: maltodextrina (altíssimo índice glicêmico) e xarope de milho (feito a partir do amido de milho, utilizado em bolos, caramelos, geleias, sorvetes). Se no rótulo afirma que o produto é “caseiro”, “artesanal” ou “gourmet”, mas vem em uma caixinha, desconfie e dê uma lida nos ingredientes. O ideal é que tenha no máximo de 3 a 5 e, de preferência, reconhecíveis por você e pela natureza. A ordem da lista é crescente. Então, se você vira a caixa e o primeiro da lista é açúcar, significa que tem mais açúcar do que a informação propagada na publicidade ou na frente da embalagem. O projeto Sin Azucar, do fotógrafo madrilenho Antonio Rodríguez Estrada, tem o objetivo de revelar essas fake news. A ideia é ilustrar em cubos açucarados a proporção indicada na embalagem em contraste com o anúncio. https://www.sinazucar.org/foto/tomate-frito-receta-artesana/
Essa fake food é nutrida por fake news. A britânica Claire Wardle, especialista em compartilhamento de conteúdo no meio digital, explica que há dois tipos de informações enganosas. A má informação, quando se compartilha, inadvertidamente, informações falsas; e a desinformação, criação e compartilhamento de informações falsas. A propaganda é uma das formas de disseminar conteúdo enganoso ou com potencial para induzir ao engano. Por isso, siga as recomendações do Guia: “Avalie com crítica o que você lê, vê e ouve sobre alimentação em propagandas comerciais e estimule outras pessoas, particularmente crianças e jovens, a fazerem o mesmo.”
Para escapar das fake news contidas nas fake foods anote também a dica da Clarie: “Toda vez que aceitamos passivamente as informações sem confirmar ou compartilhar uma postagem, uma imagem ou um vídeo antes de verificá-los, aumentamos o ruído e a confusão.” Podemos incluir aqui as propagandas de alimentos ou a leitura atentados rótulos das embalagens. Para Clarie, a poluição de informações é tão grande que temos de nos responsabilizar pela verificação daquilo que vemos online. Mas também acrescento que devemos pleitear mudanças em políticas públicas de rotulagem de alimentos (que está em pauta atualmente), a restrição de publicidade para menores de 12 anos entre outras medidas que possam combater a má alimentação e a má informação.
Juliana Dias é mãe do Daniel, jornalista e pesquisadora na área de alimentação, comunicação e cultura. Possui Doutorado em História das Ciências, das Técnicas e Epistemologia (HCTE/UFRJ) e Mestrado em Educação, em Ciências e Saúde (Nutes/UFRJ). Coordena os cursos de pós-graduação e extensão em Jornalismo Gastronômico na Facha – Faculdades Integradas Hélio Alonso. É integrante do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (FBSSAN).
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