Comida É Afeto | Afetos Juninos
 

Afetos Juninos

Afetos Juninos

Chegou o inverno, e com ele uma das épocas mais esperadas no nosso brasilzão, as Festas Juninas. Sagrada ou profana, ela é uma celebração tipicamente brasileira. Trazida ao nosso continente pelos conquistadores portugueses, ela é uma mescla de celebração pagã da colheita do milho e de uma celebração cristã pelo nascimento do Santo João Batista. São João tem lugar de honra no mundo cristão, é o único santo que se comemora o dia do nascimento, e não o da morte. Isso devido ao grande feito de ter batizado Jesus Cristo.

Nessa mescla de celebração, encontramos até hoje traços da nossa ancestralidade recheada de tradições. O fogo e o milho representaram os elos de ligação entre colonizadores e nativos indígenas, dialogando com os ritos da coivara e garantindo, à época, a socialização entre os dois povos. Mais tarde, esses dois símbolos, também ganharam significados para os povos africanos escravizados na colônia e obrigados a adotar referências católicas em suas práticas religiosas.
Através do sincretismo religioso, a festa, também ganha ares para Xangô, orixá escolhido como equivalente a São João, Xangô menino, a entidade do elemento fogo.  Na nossa festa nada se recusa, nada se descarta, e, como poucas no país, consegue incorporar as mais variadas referências da nossa miscigenada cultura.

Mas foi no contexto urbano, já no século XVIII, com a chegada da corte portuguesa, que a festa se tornou um verdadeiro acontecimento de sucesso, capaz de ligar os dois principais eixos da vida social da população, as ruas e as igrejas.

Entre santos, fogueiras, balões, danças, brincadeiras e muita música, sempre sobra um espaço de destaque para o nosso milho. Milho este que desde a sua origem, lá na mesoamérica, atravessou diversos significados culturais. Ele tem importância central no nosso continente, sendo a maior fonte de carboidratos da alimentação dos povos das Américas ; posteriormente, o mesmo na dos povos africanos.

As fogueiras de São João, em alguns lugares, são vistas como fonte de fertilidade. Os agricultores separam as sementes das melhores plantas da colheita e guardam-nas misturadas com as cinzas das fogueiras da festa, assim eles garantem um bom plantio e safra para o ano seguinte. Colhido em junho, o milho se tornou a base culinária no preparo da iguarias dos arraiás. Dele são feitos canjica, pamonha, curau, cuscuz, bolo, pipoca, tapioca. Seu uso intenso também simboliza a gratidão do povo pela fartura da colheita.

E quem nunca participou de uma Festa Junina na escola? Ensaiou e dançou quadrilha, cortou bandeirinha, decorou barraquinhas, fez simpatias, brincou de pescaria, tiro ao alvo, fez um casamento na roça? Nas minhas memórias de infância afetivas de Festas Juninas eu fui noiva, mas também já fiquei sem par; tive vestidos lindos, mas também uns bem feios; ganhei várias prendas na pescaria, mas também perdi tudo.

E das comidas, qual a sua melhor memória afetiva? A minha preferida sempre foi a canjica, aquela daqui do Sudeste, feita com açúcar, leite, leite condensado, coco e amendoim. Nessa época de frio e festas, é tradição das minhas avós fazerem deliciosas canjicas, aquelas bem gostosas que, se não dá pra todo mundo comer, pode  até ter briga feia na família.

Depois de tudo isso, já conseguiu pensar numa Festa Junina sem milho e suas delícias?

No próximo artigo vou falar dessa semente tão importante e como ela vem se transformando no pesadelo de muitos povos tradicionais, agricultores e consumidores.

Até mais, e deliciosos afetos juninos!

Carol Sá

@chefcarolsa

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