10 jun O Nobre Lugar de Escuta
Muito se fala sobre lugar de fala, muito se fala nesses lugares de falas. Vozes há muito caladas finalmente encontraram espaço, microfone, amplificador, e sua turma, nas redes sociais. Ouvimos sobre as feridas do preconceito, exclusão, desigualdade, dor, mágoas, a luta para fazer parar de sangrar, e sobre os passos dos que buscam caminhos de cura. Há os incomodados com toda essa fala e há os a muitos e muitos séculos incomodados, impedidos, violados e assassinados. Para aqueles que dependendo de onde encarnaram nesta existência e hoje gozam dos privilégios inatos da roleta da vida, cabe um exercício muito digno e importante. O que, a meu ver, é a chave da colaboração para a cura de toda esta dor coletiva: Lugar de Escuta.
Quem não sabe ouvir chama de mi mi mi, “coitadismo” e brada: Já chega de tanto falar! A ausência de empatia, aumenta o volume das vozes, mas nunca as cala. É preciso perceber que, se você não foi ferido, você faz parte ou do grupo dos que ferem, dos que se omitem, ou dos que compram o barulho. Portanto, dependendo do grupo que você faz parte, em cada circunstância, nem tudo que se fala é sobre você. Mas muito também é. E se você nunca sofreu algumas dessas feridas na sua vida, ouvir, não vai arrancar pedaços e ajudará você a elaborar e curar outras dores que avida certamente lhe impôs. Todos temos feridas.
Eu, mulher considerada e tratada como branca (mas nem tão branca assim, segundo a árvore genealógica), heteronormativa, de classe media, que teve todas as oportunidades que poderia sonhar nesta vida, ao ocupar meu lugar de escuta, ouço: Posso ser ainda mais grata do que sou. Devo me posicionar diante da violência. E medito sobre o peso do constrangimento de ter tido acesso a tanto, numa sociedade aonde isso não é o mais comum. Observar meus privilégios me dá muito o que pensar e responsabilidades a abraçar.
Algumas dores também doem de se ouvir. Por isso, lugar de escuta é lugar de gente nobre, que entende seu papel no corpo social. Se observarmos com atenção, é o que pede a própria natureza: dois ouvidos e uma boca. A boca fala daquilo que a alma está cheia. Os ouvidos, doam escuta. Ouça! Apenas ouça! Se a palavra é prata, o silencio é ouro.
E nessa escuta também precisamos ter atenção ao silêncio, pois ele costuma ser empático, a quem fere e a quem é ferido. Tem hora pra tudo, mas só se pode compreender o momento de cada coisa quando conhecemos também a escuta. Você pode silenciar ao ouvir sobre uma dor, sem emitir opinião ou julgamento. Uma escuta que acolhe. Você também pode silenciar diante de uma injustiça, nesse caso é uma escuta que valida a violência. Uma escuta que agride.
De tudo que tenho me proposto a ouvir, muito tenho aprendido sobre o mundo em que estou, e a pessoa que tenho me tornado e me proposto a lapidar. Por isso hoje sei que falar é curar, ouvir é raro, “empatizar” é urgente e posicionar-se é caráter!
Luiza Sarmento, jornalista e ativista em consumo consciente e sustentabilidade, apresentadora da Causa Justa.
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